EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA – ESPECIALIZADA CRIMINAL – DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIA IPL n. 1-348/2004 (autos n. 2003.33.00.024469-1) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece DENÚNCIA contra: 1) PER EHLERT KNUDSEN, *; 2) LARS JENSEN, *; 3) PAULLUS GERARDUS VAN DUN ou PAULUS GERARDUS VAN DUN, *; em face das condutas criminosas a seguir descritas: 1. Em 1º de novembro de 2001, o Procurador da República para Crimes Econômicos Graves 1 da Dinamarca ajuizou, junto à Corte de Ringkøbing, o processo The Public Prosecutor v. Mogens Amdi Petersen et al. (fls. 32-62 do apenso II, volume I). 1 1 Public Prosecutor for Serious Economic Crime – fl. 32, apenso II, volume I. Ele relata que a Fundação para o Suporte de Propostas Humanitárias, Promoção da Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente 2 foi utilizada para remeter ilegalmente ao menos 186 milhões de coroas dinamarquesas (DKK) para o exterior – aí incluída a República Federativa do Brasil, como se verá adiante. O dinheiro havia sido obtido mediante a prática de delitos fiscais e contra o sistema financeiro daquele Estado europeu. 2. A referida fundação era controlada de fato por uma organização criminosa transnacional conhecida popularmente como Lærergruppen – LG (The Teacher Group) ou TVIND3, cujos recursos provinham diversos empreendimentos, estabelecidos em mais de 55 países (fl. 34, apenso II, volume I), a exemplo de escolas, fábricas, empresas comerciais e organizações não governamentais, como Ulandshjælp fra Folk til Folk (UFF), The Humanitarian Foundation/HUMANA, La Societé Verte (LSV) e L’Énergie Éternelle (LEE). Naquele ano de 2001, a TVIND mantinha mais de cem empresas e outras fundações, principalmente em paraísos fiscais. Este o caso de dois trusts mantidos na Ilha de Jersey: The Hobbhouse Trust e The Farmers Trust (fl. 37, apenso II, volume I). Com base no processo The Public Prosecutor v. Mogens Amdi Petersen et al. (fl. 36, apenso II, volume I), o Relatório de Pesquisa e Investigação/ESPEI05 BA20090007 explicou a estrutura da organização criminosa transnacional, mantida de forma estritamente hierarquizada 4: Com base em várias decisões da Corte de Ringkobing, foi realizada uma operação em 25 de abril de 2001 contra oito endereços na Dinamarca, com apreensão de computadores e documentos que permitiram chegar à conclusão, entre outras coisas, de que a fundação era controlada de fato pelo TVIND, ou TEACHERS 2 The Foundation for Support of Humanitarian Purposes, the Promotion of Research and the Protection of Natural Environment. 3 Cf. Relatório de Pesquisa e Investigação BA20090007, elaborado pelo Escritório de Pesquisa e Investigação na 5ª Região Fiscal (ESPEI/05), órgão de inteligência da Receita Federal do Brasil – fls. 32 e 34 do apenso II, volume II. 4 “(...) However, it appears from documents found at the search on 25 April 2001, that the Tvind Group is organized in a strictly hierarchical structure with clear lines of command” (fl. 36, apenso II, volume I). 2 GROUP, ou coloquialmente “Laerengruppen – LG”, uma organização com uma rígida estrutura hierárquica, detentora de uma linha bem definida de comando. No primeiro nível hierárquico, o grupo é chefiado por MOGENS AMDI PEDERSEN e KRISTEN LARSEN, que sempre tomam as decisões em conjunto, sob a assinatura “KLPA”. No segundo nível de comando estariam, a partir de 1992, RUTH SEJEROE-OLSEN e MARLENE GUNST, responsáveis pela “LG’s Economy”, assistida por uma equipe, da qual faria parte ANNE HANSEN. Os principais diretores das offshores, responsáveis pelas atividades comerciais, como BRIGITTE KROHN, integrariam o terceiro nível hierárquico; os gerentes operacionais, como p. ex. os responsáveis pelas plantações, a exemplo de LARS JENSEN, comporiam um quarto nível hierárquico. E, por fim, o quinto nível de hierarquia, que seria formado pelos membros individuais do TEACHERS GROUP. MOGENS AMDI PEDERSEN, o principal líder do TVIND GROUP, RUTH SEJEROE-OLSEN e MARLENE GUNST, principais membros da LG’S ECONOMY a partir de 1992 (KIM BONDE ANDERSEN e STEN BYRNER, de 1987 a 1992), teriam como característica em comum o fato de não aparecerem formalmente em nenhuma companhia ou fundação, mas por exercerem seu comando por meio da posição de KIRSTEN LARSEN e outros membros das principais companhias/trusts, ou seja, mediante uma estrutura subjacente informal, que de fato funcionaria paralelamente à estrutura formal (fl. 3, apenso II, volume I). 3. Além dos delitos de evasão de divisas, que atentaram contra o sistema financeiro dinamarquês, a Fundação para o Suporte de Propostas Humanitárias, Promoção da Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente recebeu cerca de 70 milhões de coroas dinamarquesas, de contribuintes daquele país que se valeram da dedução de impostos prevista na seção 12 (3) da Danish Tax Assessment Act. Este dinheiro deveria ser utilizado apenas para fins humanitários, de promoção à pesquisa ou proteção ao meio ambiente (fl. 32, volume II, apenso I). Entretanto, a organização transnacional criminosa TVIND ocultou e dissimulou a natureza, a origem e a movimentação destes 3 valores provenientes de infrações penais, remetendo-os, com o concurso das pessoas jurídicas interpostas La Societé Verte (LSV) e L’Énergie Éternelle (LEE) (fl. 47, apenso II, volume I), para investimentos imobiliários na Malásia (fl. 48, apenso II, volume I), na Polinésia Francesa (fl. 52, apenso II, volume I) e no Brasil (fls. 56-59, apenso II, volume I). Portanto, não há dúvida quanto à incidência do art. 2, “a” 5, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada na República Federativa do Brasil mediante o Decreto n. 5.015. A respeito disto, vale transcrever outro trecho do Relatório de Pesquisa e Investigação/ESPEI05 BA20090007: Em 2003, MOGENS AMDI PETERSEN, junto com outros sete líderes do TEACHERS GROUP, foi a julgamento na Dinamarca, por crimes financeiros e sonegação de impostos, depois de ter sido extraditado dos Estados Unidos a pedido do governo dinamarquês. O caso durou mais de três anos, envolvendo a acusação de transferência ilegal de numerário para contas de bancos de outros países, destinando-o a fins pessoais em vez de fins humanitários. Parte desse dinheiro, US$ 25 milhões, foi utilizada para a compra de uma propriedade rural no Brasil (Fazenda Jatobá). Em agosto de 2006, um tribunal inferior de Aarhus, oeste da Dinamarca, julgou culpado um dos acusados, STEN BYRNER, mas absolveu os outros, o próprio MOGENS AMDI PETERSEN, POUL JORGENSEN, KIRSTEN LARSTEN, BODIL ROSS, MARLENE GUNST, CHRISTIE PIPPS e RUTH SEJEROE-OLSEN. O governo dinamarquês recorreu da decisão, e algumas semanas depois os acusados saíram secretamente da Dinamarca. Acredita-se que MOGENS AMDI PETERSEN e outros quatro líderes do TEACHERS GROUP estejam escondidos da polícia em alguma das propriedades do grupo na América do Sul, Central ou África. O acusado POUL JOERGENSEN foi levado a julgamento em janeiro de 2009 e condenado a dois anos e meio por fraude 5 “Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. 4 fiscal e peculato, como responsável pela remessa não declarada de dinheiro para fins pessoais e comerciais, onerando assim o governo dinamarquês. MOGENS AMDI PETERSEN, KIRSTEN LARSEN e outros cinco membros seniores do TVIND GROUP estão sendo atualmente procurados pela INTERPOL, encontrando-se em local incerto e não sabido (fl. 9, apenso II, volume I – sem negrito ou sublinhado no original). 4. Especificamente quanto à lavagem de dinheiro ocorrida no Brasil, a TVIND lançou mão de trusts e empresas sediados nos paraísos fiscais de Jersey e Guernsey, conforme indica figura encartada no processo The Public Prosecutor v. Mogens Amdi Petersen et al. (fl. 37, apenso II, volume I) As importâncias obtidas criminosamente pela TVIND, foram, assim, remetidas para o Brasil e investidas nas empresas FLORESTA 5 JATOBÁ (BRASIL) LTDA. (CNPJ n. 72.174.618/0001-89) e FLORYL FLORESTADORA YPÊ S.A. (CNPJ n. 25.447.368/001-23). Além delas, as investigações demonstraram também terem sido empregadas a FLORESTA RIO VEREDÃO LTDA. (CNPJ n. 73.881.435/0001-66 – fls. 432 e ss.), a JATOBÁ ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS LTDA (fls. 17-30, apenso II, volume I) e a BIG RIVER MELONS LTDA. (CNPJ n. 41.061.243/0001-37 – fls. 583 e ss.). O Relatório de Pesquisa e Investigação/ESPEI05 BA20090007 apontou as relações existentes entre tais sociedades à fl. 10 do apenso II, volume I, em imagem adiante reproduzida: 6 Esta teia de empresas servia a um único propósito: ocultar dissimular a origem, a natureza e a propriedade das verbas de origem criminosa, que justamente por isso haviam sido mandadas ao Brasil pela organização transnacional TVIND. 5. Localizada no Município de Correntina/BA, no Km 304 da BR 020, a aproximadamente 8Km da divisa entre os Estados de Bahia e Goiás (cf. relatório fiscal, fl. 432), a FLORESTA JATOBÁ (BRASIL) LTDA. tem 99,96% de seu capital detido pela off shore BAHIA FARMING LIMITED, cujo 7 procurador é PER EHLERT KNUDSEN (primeiro denunciado). Este último também é o responsável pela FLORESTA JATOBÁ (BRASIL) LTDA. (fl. 11, apenso II, volume I). É importante registrar que a FLORESTA JATOBÁ (BRASIL) LTDA. controlava, outrossim, a) 99,99% de seu capital social da FLORYL FLORESTADORA YPÊ S/A, cujo valor representada, em 2007, R$ 63.904.040,00; b) 99,99% de seu capital social da FLORESTA RIO VEREDÃO LTDA, equivalentes a R$ 1.798.957,79 no ano de 2007 (fl. 12, apenso II, volume I). Por sua vez, a FLORYL FLORESTADORA YPÊ S/A – que também tem como primeiro denunciado como representante junto à Receita Federal – era detentora de: i) 99,99% da JATOBÁ ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS LTDA, que em 2007 valiam R$ 18.586.899,82; ii) 99,99% da BIG RIVER MELONS, totalizando R$ 26.008.444,90, naquele mesmo ano (fl. 17, apenso II, volume I). LARS JENSEN (segundo denunciado), residente na Fazenda Jatobá (cf. fl. 220) era sócio desta última empresa, até transferi-la formalmente para KRISTEN AMBROSIUS LARSEN e MOGENS AMDI PEDERSEN (fl. 221). 6. Conforme reportou o Banco Central do Brasil (fls. 138-139), até setembro de 1998 estas empresas haviam recebido cerca de US$ 12,000,000.00 (doze milhões de dólares norte-americanos), remetidos do exterior, via operações de câmbio e empréstimos, pela BAHIA FARMING LTD, The Foundation for Support of Humanitarian Purposes, the Promotion of Research and the Protection of Natural Environment La Societé Verte (LSV) e L’Énergie Éternelle (LEE) – entidades controladas de fato pela organização criminosa transnacional TVIND. Isto é comprovado pela farta documentação colhida no inquérito policial, a exemplo de relatório fiscal, juntado por determinação de V. Exa. (fl. 414), que analisou um demonstrativo denominado Foreign 8 transaction and Central Bank registration, entregue à fiscalização pelo segundo denunciado no ano de 1999. 7. Destarte, a organização criminosa transnacional inseriu e estratificou, com o doloso concurso dos dois primeiros denunciados, que a integravam, recursos de origem e natureza ilícitas na economia formal brasileira – e eles permaneceram ocultos e dissimulados ao menos até março de 2007. Naquela ocasião, o avançar das investigações na Dinamarca obrigou a TVIND a integrar parte das verbas branqueadas, o que foi feito com a venda, ao preço de R$ 35,4 milhões, de uma parte da Fazenda Jatobá para a BRASIAGRO AGRÍCOLAS, em COMPANHIA parceria BRASILEIRA com a DE PROPRIEDADES JABORANDI PROPRIEDADES AGRÍCOLAS S. A. (Grupo MAEDA – fl. 11, apenso II, volume I). Nos dias 5 e 7 de março de 2008, parte deste (R$ 3,020 milhões) foi transferido eletronicamente (TED) para a JATOBÁ ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS LTDA. (cf. Relatório de Inteligência Financeira- RIF n. 2506/COAF6, fls. 25 e ss. do apenso I, volume I). O mesmo relatório registrou que: a) de 02 de janeiro de 2008 a 17 de março de 2008, a FLORYL FLORESTADORA YPÊ S.A. recebeu R$ 2,874 milhões e sofreu débitos de R$ 3,023 milhões, em operações financeiras atípicas; b) entre 9 de janeiro de 2008 a 12 de março de 2008, a FLORESTA RIO VAREDÃO LTDA obteve R$ 261 mil da FLORYL FLORESTADORA YPÊ S.A. 8. Infelizmente, era o bastante para os denunciados. O RIF n. 7773/COAF (fls. 6 e ss., apenso I, volume I) relata que, de 1º de abril de 2010 a 30 de setembro de 2010, a ASSOCIAÇÂO HUMANA POVO PARA POVO BRASIL, controlada por PER EHLERT KNUDSEN (primeiro denunciado) e PAULLUS GERARDUS VAN DUN ou PAULUS GERARDUS VAN DUN (terceiro denunciado), recebeu créditos que somaram R$ 6 9 Conselho de Controle de Atividades Financeiras. 447.050,94, enviados do exterior pela Federation for Associations connected to the Intl. HUMANA People to People (FAIHPP), outra das várias entidades geridas pela TVIND. O dinheiro veio pulverizado, na tentativa de não despertar suspeitas: R$ 323.666,25 remetidos pelo Chartered Bank, dos Estados Unidos da América; R$ 59.381,28, do Deutsche Bank Trust Company – Bank of America NA, da Confederação Helvética e R$ 64.0003,41 do Crédit Suisse – Standard Chartered Bank , também da Suíça. 9. Portanto, os denunciados, agindo em concurso com seus superiores na organização criminosa transnacional TVIND, dolosamente ocultaram e dissimularam a natureza, a origem, a movimentação e a propriedade de valores provenientes de crimes praticados por organização criminosa contra Administração Pública estrangeira 7 e o sistema financeiro dinamarquês. E tais condutas criminosas protraíram-se 8 ao menos até 30 de setembro de 2010. 10. De todo o exposto, o Ministério Público Federal requer a condenação dos denunciados nas penas dos seguintes dispositivos legais: a) PER EHLERT KNUDSEN: art. 1º, incisos VI, VII e VIII e §§ 1º, inciso I, da Lei n. 9.613/98 (na redação anterior à Lei n. 12.683); b) LARS JENSEN: art. 1º, incisos VI, VII e VIII e §§ 1º, inciso I, da Lei n. 9.613/98 (na redação anterior à Lei n. 12.683); 7 Cf. item 3 desta denúncia, supra. Leciona Tigre Maia, em obra de referência sobre o tema: “As ações tipicamente relevantes (ocultar e dissimular) podem protrair-se no tempo e perpetuar a periclitação do bem jurídico precipuamente protegido e, em consequência, podem caracterizar-se como hipóteses de crime permanente. (...) A ‘lavagem’ de dinheiro, nestes termos, insere-se no terceiro grupo, aos moldes do que ocorre com a modalidade “ocultar” na receptação” (TIGRE MAIA, Rodolfo. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime): Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98. 1ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 83.). No mesmo sentido, (HC 200802010155801, Rel. Desembargadora Federal Márcia Helena Nunes, Primeira Turma Especializada do TRF da 2ª Região, DJU 19/12/2008, p. 64; ACR 200784000066330 Rel. Desembargador Federal Cesar Carvalho, Primeira Turma do TRF da 5ª Região, DJ :18/08/2008 - Página:754; ACR 200071100033470, Rel. Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, Oitava Turma do TRF da 4ª Região, D.E 10/01/2007). 8 10 c) PAULLUS GERARDUS VAN DUN ou PAULUS GERARDUS VAN DUN: art. 1º, incisos VI, VII e VIII e §§ 1º, inciso I, da Lei n. 9.613/98 (na redação anterior à Lei n. 12.683). Uma vez que a prova é eminentemente documental, deixa de elencar testemunhas. P. deferimento. Salvador, 8 de agosto de 2015. ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES PROCURADOR DA REPÚBLICA *Dados omitidos para fins de divulgação. 11