MINISTÉRIO PÚBLlCO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União, Com fundamento no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/l992, e no artigo 237, inciso Vll, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União: aprovado pela Resolução lSS/ZUUZ () Ministério Público junto ao TCU oferece lllllllllllll com vistas a que essa Corte de Contas proceda a adoção das medidas de sua competência necessárias a apurar se o “Acordo de Assunção de Compromissos", firmado entre o Ministério Público Federal — MPF e a Petróleo Brasileiro SA -— Petrobras, dos quais deu notícia em 8/3/2019, entre outros, o jornal Folha de São Paulo, em artigo intitulado “A Lava Jato privatizar o Estado”, guarda conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro e se serve ao atendimento das obrigações para cujo cumprimento () ajuste foi celebrado, assumidas pela empresa estatal perante, conforme designação adotada no referido instrumento, “autoridades norte-americanas" -“, Segundo o artigo jornalístico publicado na Folha de São Paulo, “a força-tarefa lda Lava Jato] celebrou, no dia 23 de janeiro [de 2019], um acordo bilionário com a Petrobras. soh a supervisão de autoridades dos EUA”. O referido pacto conteria a informação de que a Petrobras “respondia a procedimento administrativos nos EUA e ( ._.) optou por celebrar acordo com a Securities and Exchange Commision (SEC) e com o Departamento de Justiça norte—americano (Dol) (...). Também disporia que, por iniciativa “do Ministerio Público Federal e da Petrobras, as autoridades norte—americanas consentiram com que até 80% do valor previsto nos acordos com as autoridades dos EUA sejam satisfeitos com base no que for pago no Brasil pela Petrobras conforme acordado com o MPF”. Ainda segundo o artigo jornalístico em tela, do total “já depositado numa conta vinculada a 13ª Vara Federal de Curitiba (R$ 2,5 bilhões), metade fica reservada para a “satisfação de eventuais condenações ou acordos1 em “ação de reparação] (item 2 3 2 da Cláusula Segunda)“. A outra metade “deverá constituir um “endowmenf (um fundo patrimonial)“ cuja administração TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO caberia a uma “entidade a ser constituída (._.) na forma de uma fundação de direito privado mantenedora (Item 2.4.1)“. Alem disso, de acordo com o texto publicado pelo jornal, constaria do item 8 das considerações contidas no ajuste celebrado entre a Petrobras e o MPF & informação de que “Conforme previsto no acordo com a SEC e Dol, na ausência de acordo com o MPF, 300% do acordado com as autoridades norte-americanas será revertido integralmente para () 'lesouro norte— amerrcano” . -lll- A partir das informações reproduzidas acima, e para fins da reunião de indícios de irregularidades que justifiquem o oferecimento da presente Representação e a atuação do Tribunal de Contas da União, foram colhidas diretamente de sites da Internet e anexadas a presente peça as cópias do “Acordo de Assunção de Compromisso“ (httpçl/wwwmpf. mp br/pr/sala-de— imprensa/docs/acordo-fundo—petrobras), acima já referido, e do “Non Persecution Agreement" (https://www.justice.gov/opa/press-release/file/1096706/download7utm _mediumªemailatutm sou rce=govdelivery), firmado pela Petrobras com a “Securities and Exchange Commission ( SEC) e com o Departamento de Justiça norte-americano (Dol), este em língua estrangeira, cuja autenticidade, conteúdo e exato sentido haverão ainda de ser verificados no curso da investigação ora proposta. Uma vez que venham a ser corroboradas oficialmente as disposições contidas nesses documentos, vislumbra—se a possibilidade de que o acordo firmado entre o MPF e a Petrobras acarrete graves prejuízos à empresa estatal, bem como ao Erário Federal. Com efeito, não foi possível, em exame preliminar, confirmar perante os termos do “Non Persecution Agreement” a informação que consta do acordo firmado entre a Petrobras e o MPF no sentido de que “na ausência de acordo com o Ministério Público Federal, 100% do valor acordado com as autoridades norte-americanas será revertido para o Tesouro norte—americano" Com base na cópia anexa, a exigência para que a Petrobras pague a importância acima referida, que representa mais de 682 milhões de dólares americanos, se dará na hipótese de a estatal não pagar ao “Brazil” qualquer parte desse valor nos prazos especificados em acordo firmado entre autoridades brasileiras (“brazilian authorities") e a empresa. Ora, exceto no caso da existência de disposições especificas nesse sentido, não há razão alguma para que a menção a “Brazil” e a “autoridades brasileiras" feita por entidades e órgãos governamentais estrangeiros em documentos oficiais seja interpretada como se referindo ao Ministério Público Federal ou aos Procuradores da República, e não as autoridades públicas e a instâncias de governo que ordinariamente representam os interesses do Estado brasileiro internacionalmente. Põe-se sob dúvida de pronto, pois, a legitimidade do MPF para, em acordo com a Petrobras, dispor a respeito da destinação dos recursos em questão. Por outro lado, ainda que fosse reconhecida essa legitimidade ao MP1", restaria questionável & legalidade da decisão de atribuir a uma fundação de direito privado o dinheiro pago pela Petrobras ao “Brazil”, decorrente da atuação, no Brasil e no exterior, de Órgãos e. entidades estatais e governamentais na tutela de interesses públicos. ' "; TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO Há, de fato, fundadas razões para crer que esses recursos têm natureza publica. Sinaliza nesse sentido, em primeiro lugar, a destinação que recursos oriundos do mesmo "Non Persecution Agreement”, no valor de 85,32 milhões de dólares americanos, tiveram em seu pais de origem. Esse montante, equivalente a 10% da penalidade criminal total (“Total (Íriminal Penalty”), foi recolhido ao Tesouro americano (“United States 'l'reasury”), tornando-se, portanto, disponivel para o orçamento público. Vem juntar—se a essa primeira sinalização, apontando também na direção da natureza pública dos valores pagos pela Petrobras, recente precedente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, havido nos autos da Petição 6.890/Distrito Federal em 28/02/2019. Discutia-se, naquele caso, sobre quem deveria ser o destinatário de recursos oriundos de acordo de colaboração premiada celebrado no âmbito do MPF a titulo de perdimento e a titulo do pagamento de multa A decisão do Relator, Ministro Edson Fachin, no que tange ao perdimento de valores. foi tomada “aplicando-se, sem maiores esforços argumentativos, o art. 91, ll, do Codigo Penal, que determina a perda em favor da União (...)", No que tange as multas aplicadas, o Relator considerou que deveriam ter o mesmo destino (a União), embora reconhecesse que não tinham a mesma natureza do perdimento. É que, conforme observou o Relator, não havia para aquele caso - tal como tambem não há para o caso vertente —, “na lei ou no acordo definição quanto a natureza dessa multa”, a qual parecia ter “caracteristica sancionatória mista”. Essa natureza, contudo, não autoriza. conforme a decisão da Suprema Corte que ora é adotada como paradigma, “a eleição de um critério discricionário, ainda que louvável, quanto ao seu destinatario" precisamente a providência que foi adotada no acordo celebrado entre o MPF e a Petrobras e que ora (& contestada mediante o oferecimento desta Representação. A solução para o caso enfrentado na PFL!" 6890/DF, e que pode constituir também o desfecho adequado para o caso vertente a destinação dos recursos para a União —, foi encontrada então, ante a “ausência de previsão legal, ou negocial especíiica”, mediante o uso da analogia (art. 4º do Decreto-lei 4657/42). 0 terceiro indicativo da natureza pública dos valores pagos pela Petrobras advém diretamente do “Non Persecution Agreement". Esse acordo dispensou uma fiscalização de conformidade independente (“independent compliance monitor”) em atenção ao fato de que a empresa Hrmaria uma resolução, um acordo, com o Brasil (“entering into a resolution with Brazil”) e que estará sujeita a supervisão das autoridades brasileiras, incluindo o Tribunal de Contas da União (“will be subject to oversight by Brazilian authorities, including Brazil's 'l'ribunal de Contas da União”). Como a empresa já se encontra permanentemente sujeita a supervisão do TCU, 0 tempo verbal empregado no íthuro sugere que se pretendia inserir na supervisão da (Tone de Contas também o acordo que, então, ainda seria firmado com o Brasil, o que se torna impossível com a destinação privada dada aos recursos pelo ora questionado ajuste firmado entre o MPF e a Petrobras. Mesmo se superadas todas essas objeções ao acordo firmado pelo MPI' com a Petrobras, cumpriria apurar ainda se tal ato se insere nas competências co e se ele poderia ser representado, no exercício de atividades tipicamente administrativas -- como a decisão sobre a destinação de recursos financeiros e a assunção de compromissos em nome da instituição perante terceiros —- por Procuradores Regionais da Republica nstitucionais desse Orgão TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Gabinele do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO A pr0pósito da verificação da compatibilidade do acordo em tela com as competências constitucionais do Ministério Público Federal, merece especial atenção o compromisso firmado no item 2.4.2 do ajuste, por meio do qual aquela instituição se torna “responsável por buscar meios para a constituição de fundação privada (inclusive a redação de sua documentação estatutária)“ Deve—se notar, em primeiro lugar, que entre as funções institucionais do Ministério Público, deíinidas no art. 129 da Constituição Federal, não se encontra a de criar fundações Conforme o principio da legalidade, em matéria de competências administrativas, a Administração Pública dispõe apenas daquelas expressamente previstas nas leis. O “silêncio legislativo” não pode. pois, ser interpretado como autorização tácita, sob pena de subversão da ordem jurídica. De qualquer maneira, a criação de fundações pelo Poder Público, consoante o art 3 7. XIX, da Constituição Federal, somente poderá ser autorizada por lei especifica, ainda que sua natureza jurídica seja de Direito Privado. Deve-se cuidar, pois, para que os atos já anunciados pelo MPF no acordo firmado com a Petrobras respeitem as competências do Congresso Nacional Nem poderia ser de outra forma, já que, a prevalecer o entendimento de que os valores pagos pela Petrobras, no caso em exame, têm natureza de recursos públicos, a definição das ações que constituirão o interesse público primário a ser por eles atendido também dependerá de aprovação de lei. Por fim, no intuito de evitar que venha a ser caracterizado o descumprimento. pela Petrobras, do “Non Persecution Agreement”, há que se verificar se a cláusula 2.3.2 do pacto firmado pela estatal com o MPF, que destina 50% do valor pago pela empresa para a satisfação de eventuais condenações ou acordos com acionistas que investiram no mercado acionário brasileiro e ajuizaram ação de reparação — e que, portanto, constitui uma espécie de provisionamento para cobrir despesas da empresa — é compativel com o propósito punitivo que orientou as autoridades norte—americanas na celebração do acordo. Cumpre destacar que constou do pacto em rela previsão expressa no sentido de que a Petrobras não deveria procurar ou aceitar, direta ou indiretamente, reembolso ou indenizações de qualquer fonte com relação aos valores das penalidades que a empresa viesse a pagar em decorrência das obrigações nele previstas -lV- Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso 1, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237, inciso Vll. do Regimento Interno do TCU, requer a Corte de Contas que sejam adotadas as medidas de sua competência necessárias a verificar a conformidade do “Acordo de Assunção de Compromissos“ firmado entre o MPF e a Petrobras em 23 de janeiro de 2019 com a Constituição Federal, com as leis e com os termos do acordo firmado pela Petrobras com a SEC e o Do] em 26 de setembro de 2018. Ministério Público, em ] l de março de 2019. [areais “RoCh'a Furtado _ . 1"'Subprocunador-Geral