MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA N.° 369/LJ/2019 Sistema Único n° /2019 7-0aS INQUÉRITO N° 4.781 RELATOR: Ministro Alexandre de Moraes Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes, A Procuradora-Geral da República, no uso de suas funções constitucionais e legais, vem expor e requerer o que se segue. O eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal comunicou a assinatura da Portaria GP n° 69, de 14 de março de 2019 (documento anexo), que instaura este inquérito n. 4.781, com base em artigos do Regimento Interno, para apurar "noticias _fraudulentas (/?ke news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares." Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Os fatos específicos não foram declinados na Portaria de instauração, que também não indica que esteja investigando pessoa com prerrogativa de foro nesta Corte ou que tenha a prerrogativa de ser investigada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (LOMAN, artigo 33-parágrafo único). O Poder Judiciário, fora de hipóteses muito específicas definidas em lei complementar, não conduz investigações, desde que foi implantado o sistema penal acusatório no país, pela Constituição de 1988, definido no artigo 129. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, reconhece o sistema penal acusatório, em vasta jurisprudência, como nesta recente decisão do Plenário: "CONSTITUCIONAL. SISTEMA CONSTITUCIONAL ACUSATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO E PRIVATIVIDADE DA PROMOÇÃO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA (CE ART. 129, I). INCONSTTTUCIONALIDADE DE PREVISÃO REGIMENTAL QUE POSSIBILITA ARQUIVAMENTO DE INVESTIGAÇÃO DE MAGISTRADO SEM VISTA DOS AUTOS AO PARQUET. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. PROCEDÊNCIA. 1. O sistema acusatório consagra constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao Ministério Público (CE art. 129, I), a quem compete decidir pelo oferecimento de denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação, sendo dever do Poder Judiciário exercer a "atividade de supervisão judicial" (STF, Pet. 3.825/M1; Rel. Min. GILMAR MENDES), fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por parte do Estado-acusador (HC 106.124, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, DJe de 10/9/2013). INQUÉRITO 4.781 2 MINISTEFUO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Flagrante inconstitucionalidade do artigo 379, parágrafo único do Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, que exclui a participação do Ministério Público na investigação e decisão sobre o arquivamento de investigação contra magistrados, dando ciência posterior da decisão. Medida Cautelar confirmada. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente." (ADI 4693, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 29-10-2018 PUBLIC 30-102018). Por outro lado, o Poder Judiciário tem a prerrogativa de enviar notícia-crime para a instauração de inquérito, mas só pode atribuir a presidência da investigação a magistrado nas situações em que o investigado seja outro magistrado (LOMAN, artigo 33- parágrafo único). O Poder Judiciário, no âmbito do vigente sistema constitucional acusatório, atua como juiz de garantias. Na fase de investigação, tem a competência exclusiva de deliberar sobre pedidos de autorização de diligências feitos pelo Ministério Público que afetem matéria sob reserva de jurisdição, que protegem a intimidade do investigado nos casos garantidos pela Constituição, como de busca e apreensão em domicílio e intercepta* telefônica, dentre outras. A função de investigar não se insere na competência constitucional do Supremo Tribunal Federal (artigo 102), tampouco do Poder Judiciário, exceto nas poucas situações autorizadas em lei complementar, em razão de a Constituição ter adotado o sistema penal acusatório, também vigente em vários países, que separa nitidamente as funções de julgar, acusar e defender. INQUÉRITO 4.781 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA A atuação do Poder Judiciário, consistente em instaurar inquérito de oficio e proceder à investigação, afeta sua necessária imparcialidade para decidir sobre a materialidade e a autoria das infrações que investigou, comprometendo requisitos básico do Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário. É, principalmente, o guardião da Constituição. A seu turno, a Procuradoria-Geral da República tem o dever de zelar pelo respeito à Constituição e a cada um de seus preceitos, promovendo as medidas necessárias para sua garantia. É uma grande responsabilidade. Ministério Público e Poder Judiciário têm atuação limitada pela Constituição, de cujas normas destaca-se o o princípio do devido processo legal e a definição de competências específicas para poderes, órgãos e instituições do Estado. Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição. Os delitos que atingem vítimas importantes também devem ser investigados segundo as regras constitucionais, para a validade da prova e para isenção no julgamento. O mister de defender e fortalecer o Estado Democrático de Direito (artigo 1° da Constituição) é inafastável, por determinação da Constituição. Por estas razões, solicito respeitosamente a Vossa Excelência que informe concretamente os fatos que são objeto do inquérito e os fundamentos da competência desta Corte para processar a investigação — que é definida não pela qualidade da vítima, mas do investigado —, para que o Ministério Público, no momento oportuno, delibere tratar-se de caso de arquivamento ou se, diante desta razões de natureza constitucional ora expostas, poderá usar os dados da investigação para promover a ação penal pública. Registro, por oportuno, a possibilidade de envio de notícia-crime para a devida análise. ,e_Brasília, 15 de março de 2019. Ra4uel Elias Ferreira Do ge Proáradora-Geral da República INQUÉRITO 4.781 4